Flores e frutos. Poesias por Bruno Seabra, Garnier editor, 1862.

 


 

Texto-Fonte:

Crítica Literária de Machado de Assis,

Rio de Janeiro: W. M. Jackson, 1938.

 

Publicado originalmente no Diário do Rio de Janeiro, 30/06/1862.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Li há muito tempo um livrinho de versos que tinha por título Divã, e que estava assinado por Augusto Soromenho. O título do livro era o mesmo de uma coleção de poesias de um poeta turco, creio eu. Achei-lhe graça, facilidade, e sobretudo novidades tais, que tornavam os versos de Soromenho de uma beleza única no meio de todos os gêneros.

 

O livro que o Sr. Bruno Seabra acaba de publicar sob o título de Flores e Frutos veio mostrar-me que o genro e as qualidades do Soromenho podiam aparecer nestas regiões com a mesma riqueza de graça, facilidade de rima e virgindades de idéias. Abrangendo mais espaço do que a brochura do Divã, os versos do Sr. Dr. B. Seabra respondem a diversos ecos do coração ou do espírito do poeta. A esta vantagem do Sr. B. Seabra junte-se a de haver no poeta brasileiro certos toques garretianos mais pronunciados do que no poeta portuense. Demais, o livrinho de Soromenho era um desenfado; o livro do Sr. B. Seabra é um ensaio, uma prova mais séria para admissão no lar das musas.

 

A própria divisão do livro do Sr. B. Seabra exprime o maior espaço que a sua inspiração abrange.

 

Na primeira estão compreendidas as impressões frescas da mocidade e as comoções ingênuas e cândidas do coração do poeta. A sua musa vaga pela margem dos ribeiros e pelos vergéis onde absorve a santa e vivificante aura do amor.

 

A ingenuidade dos afetos está traduzida na simplicidade da expressão.

 

É a poesia loura de que fala um crítico eminente.

 

Essa, quando verdadeira e simples, é rara e inestimável. Poucos a têm simples e verdadeira; e os que à força de torturarem a imaginação querem alcançar e produzir aquilo que só da espontaneidade do coração e da natureza do poeta pode nascer, apenas conseguem arrebicar a inspiração sem outro resultado. É o caso do pintor antigo que buscava enriquecer a sua estátua de Vênus não podendo imprimir-lhe o cunho da beleza e da graça.

 

Esta qualidade, quaisquer que sejam as reservas que a crítica possa fazer, é um motivo pelo qual saúdo com entusiasmo o livro do Sr. B. Seabra.

 

A poesia Na Aldeia, a primeira da primeira parte, parece destinada a dar a idéia resumida do sentimento que inspira a Aninhas. Veja o leitor esta estrofe:

 

Olha! que paz se agasalha

Nesta casinha de palha,

À sombra deste pomar!

Olha! vê! que amenidade!

Abre a flor da mocidade

Na soleira deste lar!

 

E esta outra:

 

Que valem vaidosos fastos,

Quando os corações vão gastos

De afetos, de amor, de fé?

A ventura verdadeira

Vive à sombra hospitaleira

Da casinha de sapé.

 

Entremos na segunda parte. Cala-se o coração do poeta. A primeira poesia, Nós e vós, recomenda logo ao leitor as demais Lucrécias.

 

Teresa, Moreninha, A filha do mestre Anselmo, Ignez, são composições de notável merecimento. Tereza e Moreninha, principalmente.

 

Sinto não poder transcrevê-las aqui. O poeta assiste à saída de Tereza e seu noivo da igreja onde se foram casar:

 

Olhem como vem pimpona!

É uma senhora dona,

Reparem como ela vem...

 

Depois de notar a mudança que o casamento havia operado na volúvel Tereza, diz-lhe o poeta:

 

Adeus, senhora Tereza!

Salve o pobre na pobreza,

Que isso não lhe fica bem.

Soberba com seu marido,

Soberba com seu vestido,

Deixe-se de soberbias,

Lembre-se daqueles dias

À sombra dos cafezais...

Descora... não tenha medo!

Vá tranqüila, que o segredo

Da minha boca... jamais...

 

Tenho míngua de espaço. Citarei apenas esta primeira estrofe da Moreninha, como amostra de graça e facilidade:

 

— Moreninha, dá-me um beijo?

— E o que me dá, meu senhor?

— Este cravo...

— Ora, esse cravo!

De que me serve uma flor?

Há tantas flores nos campos!

Hei de agora, meu senhor,

Dar-lhe um beijo por um cravo?

É barato; guarde a flor.

 

As Cinzas de um livro, com que o poeta pôs fecho ao livro, revela as qualidades de forma de todos os versos, mas não me merece a menção das páginas antecedentes: Cinzas de um livro é o contraste de Aninhas; Aninhas me agradam mais, pelo sentimento que inspiram e pelas impressões que deixam no espírito de quem as lê.

 

Reservas à parte, as Flores e Frutos do Sr. B. Seabra revelam um talento que se não deve perder e que o poeta deve às musas pátrias. Não dá animações quem precisa de animações, com títulos menos legítimos, é verdade; mas tudo quanto um moço pode dar a outro, eu lhe darei, apertando-lhe sincera e cordialmente a mão.